em 26/11/18
É muito interessante pensar no quanto a cor azul está presente nas artes de modo geral. Na música e na literatura são muitas as referências e, mais que isso, verdadeiras homenagens a esta cor. Ela é uma cor que inspira e é quase palpável. Não por acaso, azul é minha cor preferida. O azul, para mim, representa vida. E não adianta me perguntar porque, pois não saberia explicar em palavra. É sentimento. Óbvio que as obras literárias que tenham o azul como referência sempre ganham uma atenção maior da minha pessoa.
Eis que então, recebi da Editora Benfazeja este livro de poemas da Cristiane Grando intitulado AZULES. Trata-se de uma edição bilíngue – Português e Espanhol, divido em quatro partes: Chântres: poética da paisagem; as musas; gênesis: poemas para fotos; e azules.
Cristiane Grando é escritora, tradutora de textos literários (francês, espanhol e português) e professora de língua portuguesa na UNILA. Tem diversos livros já publicados no Brasil, Chile, República Dominicana, Espanha e Argentina. Todos de poesia.
Em AZULES, na parte intitulada “Chântres: poética da paisagem”, como o próprio título sugere, a autora nos apresenta poemas que retratam o período em que morou na França. São poesias que nos apresentam o espaço ideal que passa a ser real, e aquele real que passou a ser lembrança, já que a autora é natural de Cerquilho – SP. É uma poesia que tenta dialogar com a demarcação de novos espaços, novas fronteiras, novos lugares e pessoas. Uma tentativa de se familiarizar com este ambiente. É uma poesia concreta, no que remete a objetos e sensorial, no que remete ao paladar.
O Trem
em Chântres
cidade de seiscentos habitantes
entre a Central Nuclear de Nogent-sur-seine
e os motores eólicos para os lados de Troyes
(na Champagne-Ardenne)
… o trem passa veloz…
um risco luminoso no espaço
avião em silêncio no vento
o trem
corta o tempo
canção de ninar
há oito mil quilômetros e algumas décadas
quando eu dormia tranquila
numa cidade de cinco mil habitantes
ao som ritmado do trem:
café com pão
café com pão, café com pão
café com pão café com pão café com pão
Na parte do livro que é intitulado “as musas”, encontramos poemas que fazem referência às mulheres musas na vida da autora. Sejam elas também escritoras sendo citadas em suas poesias, ou mulheres de seu convívio pessoal e familiar.
A máquina de costura
aquela máquina de costura antiga
era usada pela minha avó
para remendar as roupas dos filhos
as mãos da minha mãe herdaram
a máquina, as agulhas, as linhas,
e aprenderam a coser vestidos
eu era a neta que rasgava roupas
de tanto correr pelo sítio
eu era a filha que desfilava vestidos
diante de vários moços que a pretendiam
era 1970
escolhi o meu marido e tive filhos
hoje a filha mais velha
não pega em agulha nem em linha
não se casou e nem quer
mas sabe como ninguém tirar fotos
daquela máquina de costura antiga
“Gênesis: poemas para fotos” é o trecho do livro onde nos são apresentados cinco poemas que Cristiane escreveu para a exposição homônima que Sebastião Salgado fez e esteve em cartaz em São Paulo em 2013. Além de outros dois que também fazem esta analogia entre o que se vê (a foto) e o que se sente vendo a imagem (o poema).
Caricatura (em amarelo vivo)
“Homens hubi vestem perucas decorativas feitas a partir de cabelo humano. Povoação de Hademari: Planalto Meridional. Papua – Nova Guiné, 2008. “
na frente dos meus olhos
os seus – velhos-de-tanta-vida –
carregam compaixão
como os meus
pobre mulher presa
diariamente
ao trabalho
como eu
Como última parte do livro temos o “azules”, poema dedicado à música instrumental Gêmeos e aos compositores e intérpretes: Fernanda Rosa e Mateus costa – duo A corda em si.
azul
se segredo azul vive: lago, lágrimas
líquida superfície espelhada de metáforas
gotas de água: poetas do mundo
nas ruas empedradas
valedoura luz revelada no lago
vívidos versos em azul: Granada.
Ao longo do livro fui guiada pela palavra, pelas memórias afetivas e pela vivência do azul. São poemas que reverberam o cotidiano, mas que se misturam com sensações e percepções diversas. Em alguns momentos foi uma poesia quase tátil para mim.
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Livro enviado pela editora
Resenhas
Tags: Benfazeja, Cristiane Grando, Poesia
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