em 12/08/19

Na epígrafe do livro Roberto Bolaño nos adverte “Quem for valente, que siga Parra”. O próprio Parra, mais à frente diz isso em sua poesia. Portanto, não é uma poesia que vai te deixar tranquila/o. Não é uma poesia que vai seguir o primor da métrica e da rima. Muito pelo contrário. Ou vai. Mas de forma peculiar e sendo antipoesia.
A poesia terminou comigo
Eu não digo que ponha fim a nada
E não tenho ilusões a esse respeito
Eu queria seguir poetizando
Porém a inspiração me abandonou.
A poesia se comportou muito bem
Eu me comportei horrivelmente mal.
O que ganho dizendo
eu me comportei bem
A poesia se comportou mal
Quando sabem que o culpado sou eu.
Tudo bem que eu pareça imbecil!
A poesia se comportou muito bem
Eu me comportei horrivelmente mal
A poesia terminou comigo.
O antipoeta era chileno e, nos tempos da ditadura, não se exilou. Se recusou a isto. Era irmão de Violeta Parra, considerada a fundadora da música popular daquele país. Além de ceramista e artista plástica e uma das vozes potentes na política local. Intensa na arte e na vida, suicidou-se em 1967. Há, inclusive, neste livro, um poema BELÍSSIMO de Nicanor para ela.
Nicanor criou o que ele mesmo denominou de Antipoesia. Contrapondo-se ao seu conterrâneo Neruda. Não é tarefa fácil traduzi-lo, visto que sua poesia está próxima da linguagem das ruas, com fortes tons de ironia e absurdos. A tradutora, inclusive foi à casa do antipoeta tirar algumas dúvidas e não obteve sucesso. Mas ganhou uma longa conversa com ele.
Nota sobre a lição da antipoesia
1. Na antipoesia se busca a poesia, não a eloquência.
2. Os antipoemas devem ser lidos na mesma ordem em que foram escritos.
3. Temos que ler com o mesmo prazer os poemas e os antipoemas.
4. A poesia passa – a antipoesia também.
5. O poeta fala a todos nós sem fazer nenhuma distinção.
6. Nossa curiosidade nos impede muitas vezes de gozar plenamente da antipoesia por tentar entender e discutir aquilo que não se deve.
7. Se quer aproveitar, leia de boa-fé e não se alegre jamais em nome do literato.
8. Pergunte com boa vontade e ouça sem contestar a palavra dos poetas: que não te desagradem as sentenças dos velhos pois não as proferem por acaso.
9. Saudações a todos
Nicanor não lia as traduções de suas poesias. Pois acreditava que ao serem traduzidas tornavam-se “expropriações revolucionárias” e já não mais pertenciam a ele. Morreu em 2018, aos 103 anos. Ler sua obra é uma delícia.
ResenhasTags: Anti poesia, Editora 34, Nicanor Parra, Poesia
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