em 04/12/13
Já falamos sobre Italo Calvino aqui no Poderoso com seu ótimo O cavaleiro inexistente. O visconde partido ao meio junto com O barão nas árvores formam a trilogia Os nossos antepassados. Os personagens são diferentes e o fio que liga essas histórias é que, justamente, tratam de um passado não tão longíquo. Portanto, não acredito que a ordem de leitura seja essencial.
Utilizando-se de uma estratégia já conhecida e popularizada desde O médico e o Monstro, Calvino nos apresenta a batalha entre o bem e o mal dentro de cada um.
O visconde Medardo di Terralba (um dos nomes mais geniais para um homem da nobreza) foi voluntário na guerra contra contra os turcos e acabou levando uma bala de canhão do lado esquerdo. Isso mesmo, ele estava na FRENTE do canhão. Quem disse que só porque é nobre é inteligente? A bala deveria tê-lo matado mas ela apenas destruiu um lado de seu corpo. Pense no Duas Caras.
Aliás, a comparação é muito justa pois quando o visconde perde seu lado esquerdo, ele torna-se uma pessoa ruim que adora uma maldade gratuita. Seu lado direito começa a dominar suas ações e ele passa a comer só a metade das coisas, a cortar tudo pela metade e utilizar apenas um lado.
“Onde se ouvia o barulho dos cascos de seu cavalo, todos fugiam mais rápido do que quando passava Galateo, o leproso, e escondiam as crianças e os animais, e temiam pelas plantas, pois a maldade do visconde não poupava ninguém e podia desencadear-se de um momento para outro nas ações mais imprevistas e incompreensíveis.”
O visconde começa a entender a justiça de outra maneira: sua interpretação deveria ser a mais importante e a sua opinião a única relevante e ele se transforma em um tirano. Quando as pessoas reclamam de sentenças injustas ou de tributos caros demais para os pobres camponeses, o visconde incendiava suas propriedades e os deixava para morrer.
Logo, aparece a contrapartida do visconde: seu lado esquerdo reaparece quando todos achavam que havia morrido. O lado esquerdo surge com toda sua bondade ajudando os animais que o Outro mutilou, auxiliando o médico a tratar dos enfermos e ajudando os pobres da maneira que podia. O problema é que o Bom decidiu que ele sabia o que era melhor também e queria dar sermões e se metia no negócio de todo mundo “querendo ajudar”. Logo, ambas as metades começaram a ser odiadas pelas pessoas.
Tratando-se de Calvino, tem uma dose política aqui: ele participou ativamente da resistência ao fascismo e foi membro do partido comunista até 1957 (esse livro foi publicado em 1952). Por isso, faz sentido que o lado direito seja o lado mal, terrível, destruidor. Uma pitada de sarcasmo, eu diria.
Aliás, o livro todo tem um tom absurdo-fantástico-divertido. Com muito senso de humor, Calvino nos mostra que o bem sem o mal é chato além de não fazer muito sentido. A leitura flui bem e esse também é mais um daqueles livros de 100 páginas que arrasam no conteúdo. Até mesmo introdução é um primor. Vale a pena ler qualquer coisa de Calvino que lhe caia nas mãos. Pode acreditar.
ResenhasTags: Companhia das Letras, Italo Calvino, Romance
Postado em:
Olá tudo bem? Seguinte, sou grande fã do Italo Calvino e gostaria de contribuir com o site de vocês: comentando sobre as outras obras desse autor.É possível?